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domingo, 17 de julho de 2011

A estátua

   "O fato que inspirou esse conto foi verídico, apesar de não ter sido uma estátua, mas o engodo  e os problemas foram bem parecidos"
    
    E na Fartura das telenovelas...
    ...o prefeitável Odorico Paraguassu realiza seu belíssimo discurso:
    _Carissíssimos Farturopolissenses é com imenso gozo dos meus sentimentos e sastifação que venho eu lhes presentear com esta singela homenagem tão honrorífica à esta pessoa que tanto fez e tanto o fazerá por esta cidade. Claro que me refiro a minha própria pessoa que tanto mereço...
    _O quee? O sinhor? - disse sinhozinho Malta ali na frente da tribuna - o sinhor coisíssima nenhuma, eu paguei então sou eu que tô aí ó! - apontando para a estátua ainda coberta com um pano vermelho.
    _O sinhozinho Malta com todo o respeito mas o senhor esta redondasticamente enganado com certeza. Sendo eu o honorífico e excelentíssimo prefeito e sendo que a prefeitura foi a benfeitora desta homenagem. Inclusive com um gasto, diga-se de passagem quase astronomico digna de uma estáutua de minha pessoa, com certeza.
    _Nããão sinhor! Esse aí sou eu!! Oh, eu paguei - estralando os dedos - e paguei bem caro! Tô certo? Ou tô errado? - balançando a munheca feito um guisado de cascavel. O povo concordou.
    Odorico Paraguassu vendo o perigo chamou seu mais importante cabo-eleitoral.
    _Seu Zeca Diabo! Diga ao povo de quem é essa estauta!!
    _Bem, sim... não, sim, sim se do sinhô prefeito aqui tá falando então é por que é! - e povo dessa vez concordou com o matador.
   Mas aí a coisa piorou quando o tal Rei do Gado, Bruno Mesenga, apareceu com aquela voizinha pastosa de lingua mole.
    _Mas que hitória é essa aqui por causa da minha estátua?
    _Sua?! - foi a resposta
    _É, tão surdo agora. Paguei uns boizinho bem gordo por ela, ora se eu sou o Rei do Gado eu mereço!
    Aí a discussão foi geral, cada qual tinha seus motivos e desmotivos para cada um ser e o outro não.
    _Cheeeeegaaaaaa!!! - e só mesmo a viuva Porcina para poder calar todo aquele bando de homem até babando de tanto falar. - O que é isso agora?
   _Não me queira vir a senhora me dizendo que também fez a encomenda da estáuta? - conseguiu dizer o prefeitável.
   _Eu não encomendei nada que não sou mulher dessas coisas, não me dou ao prazer por aí de ficar me exibindo. Não vê o senhor que sou uma mulher bem discreta até. So que tá me dando nos nervos de ver os três aí discutido que nem trouxa!
   _O Porcina! Trouxa não!
   _A senhora respeite a minha autoridade!
   _Trouxa aqui só se for o seu marido!
   _ Se não são trouxa porque não descobrem essa porcaria aí e olham de quem é a estauta! Aqui, deixa que eu mesmo faço! - e tomou a corda da mão de seu Dirceu Borboleta que saiu borboletiando e descobriu o embróglio.
   Todo mundo ficou pasmado, inclusive os quatro. Não é que debaixo do pano tava o tal do Galiano, bebinho da silva dormindo babando e enroscado no pedestal vazio. Os "gente boa" venderam a estátua para o prefeito, para o Sinhozinho Malta e de lambuja para o tal Bruno Mezenga. Cobraram uma nota preta de cada um e para não dar briga puseram o Galiano lá e picaram a mula.
    Ah! Não é brinquedo não! Ainda chegou a dona Jurema do Bar da Jura cobrando a pingaiada que o pau d'agua consumiu. Nem com isso eles gastaram!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Homem-morcego-Batmam

   Mais cedo...
 _Boa noite! - Willian Galã Bonner no Jornal NadaNacional - Hoje mais um flagrante da ação malograda do super herói importado pelo governo paulista para combater o crime em São Paulo. Novamente o problema parece ter sido o combustível, como aconteceu com o mini-batjato, o motor da batmoto apresentou problemas e parou de funcionar.
     _De acordo com o secretário para assuntos de suprimento para heróis, o combustível é fornecido por uma distribuidora idônea, a Combustível Com. Solventes e Cia, que venceu a licitação. O  fato dessa licitação estar sendo investigada por fraude não prejudica a qualidade do combustível fornecido, garante ele. - completa Fátima Meuscabelos Bernardes.
     _ Mesmo com o subsídio que o grupo Waine vem dando, esse tipo de problema se tornou comum. Claro que o fato da batlancha ter ficado encalhada no leito do Tiete não entra nessa conta. Mas, depois da impossibilidade do uso do batmovel devido ao trânsito, quase todas as tentativas do Homem-morcego-Batmam acabaram por falhar, de uma forma ou de outra.
    _O super herói já tentou usar o batjetski, mas ele foi danificado pelo lixo jogado no rio, depois disso a batasa delta ficou presa nos fios e causou um apagão em parte da zona leste. O batcóptero foi danificado por disparos ao sobrevoar as favelas e foi para uma oficina especializada, a Depena Com. T.D. também vencedora da licitação, e não voou mais. Os batpatins, batskates e mesmo a batbike foram roubados uma dezena de vezes, e depois que um lote todo que estava no porto desapareceu misteriosamente esses itens não foram mais repostos.
     _Como acontece sempre o Homem-morcego-Batman desapareceu e não se prestou a dar esclarecimentos. A Batmoto foi recolhida em um pátio particular, o NuncaMais C.V. que também ganhou uma licitação para receber os veículos do super herói importado.
     _O governo paulista informou que o grupo Waine é o único responsável pelo dinheiro gasto e que os recursos públicos estão sendo poupados e investidos em mais segurança e saúde. 
    _Ainda sobre o grupo Waine o Banco Central descobriu uma série de irregularidades nas transações feitas nos últimos três meses e suspeita de golpe contra o sistema financeiro brasileiro e envio ilegal de dólares, além de outros problemas que segundo o interventor já nomeado parece comprometer toda a estrutura do grupo. A polícia Federal já tem um mandado de busca para o empresário.
     Longe dali...
   Um antigo barracão supostamente alugado pela fundação Waine para receber o lixo produzido por suas empresas, na verdade esconde o BatMoco, a versão nacional da Batcaverna. Neste instante nosso super herói importado acaba de entrar. Depois de abandonar seu batveículo teve que trocar de roupa num beco para não ser reconhecido. No metrô, a sacola com seus pertences foi levada por uma dúzia de moleques, uma senhora chamou a polícia quando o viu correndo atrás dos meliantes e ele foi levado ao posto policial por estar sem documentos, por sorte encontraram algum dinheiro em seu bolso e o mandaram embora. Agora estava exausto, humilhado e sujo, e teve que pular uma janela no fundo por que Alfred não estava ali para abrir a porta.
     Abriu a Batgeladeira com fome e encontrou apenas uma caixinha de leite NãodaVaca desnatado, parte da cesta básica fornecida pela empresa CestaSem N.D., que ganhou concorrência para fornecer para o grupo Waine. Não encontrou a BatTV, mas o batcontrole estava onde deveria estar o Batsofá. De repente se deu conta! Haviam sido roubados! Precisava ligar para a polícia, mas também não encontrou o Batcelular!
     Neste instante a porta lateral se abre e Alfred entra, todo despenteado, vestido com um antigo smoking de seu patrão DeBruce em péssimo estado. Ele e o smoking.
    _Oh, Alfred o que fizeram com você - perguntou DeBruce tentando ampará-lo- Quem fez isso? Nossas coisa, fomos roubados, Alfred você viu quem foi?
    _Sou fod@, na cama te esculacho... 
    _Alfred, que cheiro é esse?
    _Você, você,você... quer!? Vamos patrão! Iup!
    Encostou o velho mordomo em uma Batespreguiçadeira.
    _O que fizeram com você? Quem roubou nossas coisas?
    _Ninguém roubou nada... foi só... você, você, você... ahn empréstimo! Só isso, eu emprestei para uns "manos" aí do beco, e eles me ha ha.... me emprestaram essa ervinha.... dá uma tragada o Patrão...
    _Por Ghotan! Alfred você está se drogando!?
    _Nã nã, o patrão DeBruce não viu o comercial na TV? Essa ervinha aqui não é droga...
    _Você já está viciado... você usou nosso dinheiro do batcofre para isso!!??
    _Ahn! Ahn... não não... eu... eu usei pra pra fazer uns investimentos!
    _Alfred, investimentos?!!!! o que fez??
    _Eu comprei umas terrinhas... comprei uma plantação de abacate, sabe abacate... verde como o charada... lembra do charada... então eu comprei, fica lá na Amazônia... paguei a vista por que tinha desconto!!
    Debruce foi até a parede e abriu um armário.
    _Alfred você acabou com todo o dinheiro do batcofre! Esse lugar é muito pior do que eu pensava, ainda bem que deixei o Menino-prodígio-Robin em Ghotan.
    _O! Patrão DeBruce, por falar no Guri-prodígio, ele ligou! O colégio dele tá atrasado e vão mandar o moleque embora...
    _Como? Nossas empresas são responsáveis pelo pagamento! Alfred, você era responsável  por isso!
   _Huuuugoooooooo!!!!!!!!!
   _Alfred!!!!!!!
   _Foi mal patrão DeBruce, acho que não devia ter misturado meu cigarim com aquelas   bebidas!! - limpando se com a manga rota do smoking continua- Mas sobre as empresas, ahn...eu terceirizei tudo, sabe aqueles políticos amigos do patrão, lá de Brasília, eles me aconselharam a deixar que eles administrassem os negócios... a ó, só um minuto!
   Enquanto Alfred corria para o banheiro nosso super herói tentava assistir o noticiário na mini-batTV. O repórter falava da provável falência do Grupo Waine e do desvio de verbas de uma centena de instituições. Por um segundo o Homem-morcego-Batmam se viu com a cabeça girando, então o barulho da descarga o fez entender tudo. Precisava ir embora desse lugar, voltar para Ghotan onde poderia retomar sua vida, ser herói novamente!
   Não havia tempo para fazer as Batmalas, muito menos para recuperá-las, já que também não estavam ali. Mandaria Alfred direto para uma clinica. Trocou sua roupa pelo único terno do mordomo, pegou seu ultimo uniforme de Homem-morcego-Batmam e colocou em uma mochila junto com algum batdinheiro que escondia em seu batcofrinho. Alfred disse que havia trocado o jaguar por uma BMV (brasília muito velha), iria usá-la pra tentar chegar ao aeroporto.
   O rádio no caminho só falava como as empresas Waine estavam abrindo falência, causando prejuízo e deixando investidores e o mercado em pânico. Ainda não fazia seis meses que estava no Brasil. Como perdera o controle??! Agora escutava que o estavam acusando até de corrupção, compra de vantagens politicas....
    Duas horas de pois e apenas 5 km....
   Decidiu que  usaria seu Batjato que estava disfarçado como o avião de DeBruce Waine. Estava ciente de que precisava ser discreto. Ao chegar ao aeroporto reconheceu vários agentes da policia federal! Saindo pela direita rumou para uma parte destinada aos funcionários e entrou pelo corredor até um pequeno vestiário. Precisava chegar ao seu avião e levantar voo. Quando um jovem abriu a porta sua chance surgiu! Agarrou-o e o imobilizou. Arrancou lhe as roupas e as vestiu!
   Deixando o jovem trancado  se desfez das roupas de Alfred e com pesar de seu próprio uniforme em uma lixeira! A policia estava por todo o aeroporto e ele teve que desviar seu caminho várias vezes, parando, fingindo trabalhar. Levou algum tempo para encontrar uma saída e já se dirigia a ela quando alguma coisa pulou sobre ele.
   _Cabra da peste, safado sem vergonha!!! Tu tá pensando que me faz de  trouxa!!! Toma aqui o seu - e um soco acertou o queixo DeBruce Waine. Uma figura horrível vestida de preto tentava sufocá-lo, DeBruce não consegui reagir, era um pesadelo! Seu inconsciente lhe pregava uma peça, a máscara, não podia ser, o Homem-morcego-Batmam era ele!! Alguém conseguiu conter o herói agressor e outros agentes o levantaram e carregaram DeBruce também.
   Mais tarde...
   _O empresário DeBruce Waine foi preso essa noite quando tentava fugir do país - explica William Quaack no jornal da Golobo.
   _O empresário teve sua fuga malfadada impedida pelo herói internacional o Homem-morcego-Batmam - completou Christiane Pedágio - Em sua única ação bem sucedida ele capturou o fugitivo e depois para surpresa de todos revelou sua identidade secreta!
   _Descobriu-se que o super herói Homem-morcego-Batmam era na verdade Silvemário Raimundo Silva, faxineiro do aeroporto. Silvemário tentou negar tudo dizendo que havia pego a roupa no lixo, após ser agredido pelas costas.   
    

sábado, 26 de março de 2011

O relógio II

"O que você faria se pudesse voltar no tempo? Um tempo diferente do seu, uma vida diferente da sua? Onde não conhecesse nada nem nada te pertencesse...?"

_ Acorda rapaz!! O que tá pensando da vida?! Eu vou te curar dessa moleza!! Olha o relógio batendo onze horas!! Cê acha que tá aonde? Na côrte de Luiz XVI?!
"Ah! que coisa, esse maldito relógio. Olha o relógio! Todo dia a mesma coisa. Megera que não me dá sossego, com essa matraca que fica repetindo: onze horas! Levanta!. Maldição de relógio, vem cá! Onze horas e se fosse dez, nove... ontem e se fosse no tempo desse tal de Luiz não sei que... engraçado, os ponteiros estão voltando sozinhos! Nossa, que sono, se eu deitar só... um pouquinho... se fosse um nobre... ou... rei"
_ Ahn! Que foi?!
_ Oh! Perdoa-me alteza! Não queria eu interromper o seu sono... Sua alteza está bem?
_ Ahn! Quem eu? Não... onde estou?!
_ Em seus atuais aposentos! Mas eu sugiro que vossa alteza se apresse...
_ Ah! Meu Deus... ele me trouxe... de verdade! Veja!
_ Por favor senhor escute...
_ Veja! Ele me trouxe...
_ Sim, majestade, estou vendo... uma obra de arte moderna com certeza, não sei como conseguiu, mas escute...
_ Escute você! Aliás quem é você mesmo? O que faz aqui tão cedo? Que horas são? Que roupa ridícula!
_ O senhor deve estar com febre, não deveria rir assim num momento como esse...
_ Isso é uma peruca?
_ Alteza, não puxe... me devolva por favor! E pare de RIR!!... Perdoe-me! Mas vossa Majestade anda muito estranho... e são onze horas.
"Majestade?! Ele me chama de majestade, não acredito, sou um nobre com certeza, serei o rei também? Não, não posso perguntar ele já está desconfiado, mas sou importante!"
_ Ei, onde... "cadê a pia?"_Onde escovo meus dentes? "ele não está entendendo" _Meu rosto, onde eu posso lavar?
"Que legal, ele bateu palmas e o outro criado está trazendo um jarro com água. Certo agora o que eu devo fazer?"
_ Como eu ia dizendo, vossa majestade deveria apressar-se em se vestir. O povo está reunido lá fora.
" O povo! Ele disse onze, que maldição, nem aqui eu tenho sossego, o que ele está falando, não entendo nada, que fome!"
_ Quero meu café!
_ ...ahn? Como? Vossa Majestade não parece estar a ouvir.
_ Café da manhã, é como se fala mesmo, des.. desejum, dejezum... Ouvindo o que? Estou ouvindo meu estômago! Anda apressa isso!
"Palmas de novo! Ele está cochichando... ei quem cochicha o rabo espicha seu peruqueiro. Vai, vai isso vai com ele e me deixe suss! Que lugar fedido, agora to reparando, ele nem abriu as cortinas, deixa ver o que tem lá fora...ai meu Deus!! Que roupa é essa? Caraca que ridículo, cadê minha cueca?!"
_ Ei!!
_ Perdoa-me alteza! Suas roupas, estão prontas, eu sugiro que o senhor não ostente sua grandeza neste momento.
"Ele quer que eu vista isso? Nem morto! Não vou ficar parecendo uma flor! Ele vai ficar esperando, como se veste isso? Pra que tanta coisa?"
_ Sua majestade quer que eu o ajude?
"Demorou em! Nossa que calor! Isso não vai dar certo... ai que vergonha, como essa gente podia se vestir... eita futum! Cara você não toma banho a quanto tempo?! E essa roupa, o que fizeram com ela, lavaram com colônia de camelô"
_ Ulálá! "Que beleza! Se a garçonete é essa beleza imagine só o prato principal"
_ Como disse?
_ Nada, como estou?!
_Uma beleza! "Sei, tô suando q'nem porco! Nossa essa roupa tá dando coceira.Ei pensei que iam me servir um banquete, só isso?"
_ Só isso?
_ Na sua atual condição vossa majestade devia se dar por contente! "Minha condição? Eu sou o rei o dá peruca, não peço, mando!"
_ Por agora deve bastar, mas vê se capricha no almoço!
_ Como disse?!
_ Ah, nada."Tenho que tomar cuidado com o que eu falo. Ei! Onde você tá indo, que cara estranho. Esse pão tá horrível, nossa que queijo fedido. Será que eles comem isso por aqui. Que barulheira lá fora, cadê aquela garçonete? Nossa será que tenho esposa? Amante? Esses caras sempre tiveram, deve ser mais de uma...combuina, concuina?!"
_ Ei! Não terminei ainda!! Que foi? Quem são esses caras? Me larguem!!!
_ Majestade! O povo o aguarda!
_ Não quero ir? "Esse cara tá rindo de mim?"
_ O senhor não tem escolha, perdeu sua chance, é hora de se redimir perante os seus súditos.
_ E como eu vou fazer isso???
_ Nada! A guilhotina o fará por sua realeza!!
_ Não entendi? Quem é essa guilhotina? O que ela sabe fazer?? "deve ter alguma coisa errada, pra onde estão me levando? o relógio, se eu pudesse pegá-lo...
_ Esperem meu relógio... precis... aí!!!
_ Pra onde vai, sua majestade não precisa de nada... terá toda a eternidade!
........
_Você não levantou ainda!!! Toma!!
_ Ahn! Carrasco! Tenho direito a minha ultima refeição...
_ Carrasco!! Rapaz você vai ver a refeição se não tirar esse traseiro e arrumar o que fazer....

segunda-feira, 21 de março de 2011

O relógio

O relógio postado no alto da estante, soturno, em seu estalar monótono das velhas e gastas engrenagens. Sombrio, ele conta as horas, os minutos, os segundos pacientemente, espreitando-me através do vidro da caixa, talvez até saboreando-se com a minha imagem moribunda neste leito. Não consigo dormir com tranquilidade, me parece que os sons lá de fora não se atrevem a atravessar o velho vitral barroco já desbotado, e me deixam aqui, sozinho, com aquele estalar de engrenagens, ou não. Em meus delírios de noites febris, não são as engrenagens, mas sim de um corcel negro como uma noite sem lua, com cascos de fogo, que queimam o chão por onde passam, um delírio só meu, causado por esse maldito estalar desse relógio, um devaneio que piora com o badalar insóbrio, embebido no meu pavor, que cresce a cada hora, a cada momento e se desfaz com o alvorecer. Mas, assim mesmo, não consigo minha paz, pois durante o dia, vejo-o sempre lá, no alto da estante, como o abutre que espera ansioso a rês moribunda já quase morta. O vislumbre de seus ponteiros, feitos de prata, ofuscam-me a vista, que fraqueja com a idade e os males que a muito me absorvem a vida. Ah, mas se me perguntares: "Porque não mandas tirá-lo então?". Assim respondo-lhe: "Mistério". Só isso, mistério, pois por mais que ele me aterrorize, que me alucine e me cause insônia, trata-se nada mais nada menos, que meu único e leal companheiro, que me acompanha desde que fui aprisionado por este leito, que suga-me a essência de minha alma a cada dia que passa. Só agora percebo o quanto ele me valeu, agora reconheço seu trabalho, sua preocupação por assim dizer, para com minhas noites e dias de agonia. Ele não me assustava, com certeza, somente queria tornar essa miserável vivência mais emocionante, sim pois nunca a senti monótona nesses tantos anos de doença, nunca me senti só. Oh, velho relógio, que doa alto da estante me assiste em meu triste fim, nunca tiveras maledicência alguma para comigo, fora sempre uma amigo preocupado. Pena que chego ao meu fim, e tu mesmo já sabes. Não mais deliro com um corcel correndo sobre fogo, mas sim o que vejo agora é apenas um rocim velho, magro que se arrasta em meio as cinzas de uma vereda, mergulhada em neblina opaca, sem vida. Sim, creio eu, ouvir sua ultima badalada, que agora me parece tão suave e amorosa. Somente nesses instantes percebo o quanto fui ingrato, e como a todos, o final é um momento de arrependimento do mal que se proporciona tanto em vida, e agradecimento dos bens recebidos eu... agradeço... e... me arrependo.... para todo o sempre... amém.