Total de visualizações de página

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

ReZa LenDa

 

Naquele tempo a energia elétrica era coisa rara mesmo nas casas da vila, modo como era chamada a nossa cidade de Fartura. Era apenas um vilarejo já que a maioria das pessoas ainda morava na zona rural. É importante reconhecer o fato que no passado as distâncias pareciam maiores muito pela a precariedade das estradas, muito pelos meios de transportes disponíveis. O mais comum era o cavalo! Carros? Isso era uma raridade! Mesmo as charretes com pneus como as que temos hoje ainda pouco existiam, elas possuíam grandes rodas de madeira e eram chamadas de aranhas. No mais eram carroças e os carros de boi.

Era uma época diferente, onde a escuridão da noite era rompida apenas por vagos lampiões e parcas lamparinas que mal iluminavam as salas de chão batido das casas, deixando a noite lá fora sob o domínio do imaginário. Era nessa hora que criaturas incríveis circulavam pelos pastos, caminhos e arredores dos sítios causando medo e criando misteriosos acontecimentos que nunca foram explicados.

O que vou contar agora aconteceu nessa época e fala de um casal que discutia certo dia, um final de semana talvez, muito provavelmente na época da quaresma. A esposa tentava convencer o marido a irem juntos a casa de sua mãe, ela insistia, pois estava com uma criança de colo e claro que a viagem tinha que ser a cavalo. Depois de muita conversa ela desistiu frente as alegações dele de que estava muito ocupado, e que não era momento para se fazerem visitas.

Não dando ouvidos ela arrumou sua bagagem pegou a criança e partiu sozinha. Não sabemos se ela permaneceu lá por mais de um dia ou não, o que era costume de se fazer pela dificuldade dos caminhos que não passavam de trilhas de carroça. O que temos certeza é que quando ela voltou o sol já havia se posto. Vendo a necessidade de chegar logo em casa a mulher tocava o cavalo para que andasse ligeiro, mesmo com a criança no colo ela insistia. Talvez seu instinto lhe avisasse de algo ruim estava para acontecer.

Neste mesmo caminho havia um ponto que nomeava a trilha como caminho da paineira. Era uma árvore já neste tempo muito alta que se destacava na paisagem margeando a trilha. Logo quando se aproximavam deste ponto o cavalo começou a ficar inquieto, começou a “negar” o caminho, andando e parando querendo escolher um lado da estrada. A mulher batia os calcanhares, mas estava sem esporas, o picuá de roupas pendia na anca do animal e a criança no colo começou a chorar. Estava envolta em panos e por cima de tudo uma manta tecida com linhas amarelas.

Bate! Toca! Maldiz a hora e amaldiçoa o animal! Aos poucos vão chegando sob a paineira. Nunca saberemos a hora exata, se passava ou não da meia noite, o que temos certeza e que foi neste momento que a besta atacou!

Surgindo das sombras a criatura saltou direto na criança recém nascida buscando arrancá-la do colo da mãe. A mulher mal teve tempo de recuar puxando-a para si e quase perdendo o equilíbrio. O cavalo agitado girava meio que saltando e tentando acertar um coice na fera que atacava. A mulher assustada segurava-se para não cair, prendendo o pequenino ao peito evitando as garras que na escuridão riscavam o arreio e a bocarra escancarada que tentava mordê-lo de qualquer jeito.

Por vezes a besta fera mordeu aquela manta na tentativa de arrancar a criança da mãe! O cavalo coiceava desesperado e acertou a criatura que uivou de dor e caiu na escuridão do lugar. A mulher em prantos segurava-se como podia equilibrando-se no arreio enquanto o cavalo disparava pelo caminho só parando ao chegar no terreiro da casa.

Correndo ela tentou entrar, porém a porta estava fechada por dentro. Chamou o nome do marido, mas ele não respondeu, dormia como uma pedra, era o que dizia. O cavalo resfolegava cansado e agitado, assustada ela deu a volta, a porta da cozinha mesmo fechada podia ser aberta ao se enfiar o dedo por um pequeno furo ao lado da tramela.

Ela ouviu o cavalo relinchar do outro lado e correr. Estava em pânico e mal encontrava o furo ao passar a mão pela parede, as lágrimas embaçavam a vista. Com pressa enfiou o dedo e alcançou a tramela, empurrou a porta no momento em que teve a impressão de que algo virava no canto da casa.

Trancou a porta, deixou a criança chorando e arrastou um pilão muito pesado para impedir que a mesma se abrisse. Olhou ao redor e certificou de que as janelas estavam fechadas, agarrou a criança e correu para o quarto, fechou a porta e buscou a cama. Estava vazia. Acendeu uma lamparina que estava no criado, onde também havia um terço e uma medalha de Nossa Senhora.

Onde estaria o marido? Ela lembrou-se da espingarda que ficava dependurada ali atrás da porta e levantou a lamparina, mas só viu o vazio. Estava sozinha com o filho. Começou a rezar o terço e pensou ouvir algo rondando a casa. Ao mesmo tempo a noite lá fora parecia silenciosa demais, sem pios de corujas, nem mesmo grilos ou sapos. Foi rezando mistério após mistério que o cantar do galo a fez saltar na cama. Já estava amanhecendo e ela nem percebera, aos poucos pelas frestas do telhado alguns raios de luz começavam a brotar. Os animais anunciavam o raiar do dia, uma vaca que mugia a espera de ser ordenhada e as galinhas que já iam pelo terreiro.

O filho dormia e assim ela o deixou na cama para procurar o marido. O que seria feito dele? Seus pensamentos iam do terror da noite ao temor pelo homem. Olhou para a cozinha e viu que o pilão ainda estava lá. Na sala abriu uma pequena fresta pela porta e deixou o sol entrar. Com isso teve coragem de sair e olhar para fora. Viu o cavalo pastando perto da cerca ainda com os arreios e os cachorros da casa estavam deitados perto da porteira.

Logo ali sob as árvores a rede balançava! Viu as botas do marido e a espingarda caída ao lado. Acostumado as caçadas e a dormir no relento o ar noturno não o incomodava. Pé ante pé ela foi chegando até ouvir o ronco tão conhecido e ter certeza de que era realmente ele. Sentiu um forte alívio, e já ia saindo quando notou algo. O homem dormia pesado, inerte dentro da rede com um dos braços pendendo para fora, roncava com boca aberta. Dentro dela entre os dentes já manchados pelo fumo pendia presa uma linha amarela.

Ouço essa história desde a infância, e os mais velhos reconheciam até mesmo os personagens, dando-lhes nomes e rostos, mas tudo ficou no passado restando apenas a lenda e a paineira. Sim ela existe, e eu mesmo passei diversas vezes neste mesmo caminho, mas nunca, nunca depois da meia noite.

 

Fartura, 20 de abril,

José Alexandre

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

PASSO A PASSO

    Eu as vezes paro para pensar o que você, meu pequeno grande homem, será quando crescer? Eu que já te vi de jogador de futebol e de escritor, de engenheiro até astronauta e de programador a youtuber. Tantos caminhos, tantas escolhas, mas a certeza de que irá vencer.

    Eu as vezes paro querendo saber o que posso fazer por você, para que seus sonhos um dia se sejam reais? Sonhos de criança que embalam seu coração e embaçam os nossos olhos com suas alegrias.

    Eu as vezes paro e fico te olhando, sorriso largo e fácil que cativa, sincero sempre. Puro. A alegria no olhar, nos gestos e no jeito de ser. De aprender se divertindo e se divertir aprendendo.

    As vezes eu paro só para agradecer essa felicidade meu filho! É difícil fugir do clichê "parece que foi ontem" que você chegou para me fazer mais que homem, PAI! E eu que pensava que tinha tanto a te ensinar e hoje aprendo todo dia com você.

    As vezes eu paro e vejo como o tempo não para, e que dez anos já se passaram! E o meu pequeno grande homem está cada vez menos pequeno e cada vez mais homem. Muito mais que físico, crescendo por dentro, de coração generoso e alma iluminada!

    As vezes eu paro e me pergunto porque a vida me fez parar? Mas mesmo assim eu não desisto e sigo ao teu lado do meu jeito, porque se os passos me faltam não falta amor e a vontade de te fazer trilhar os teus no caminho certo.

    As vezes, só as vezes eu queria que a vida não passasse tão depressa! Dez, vinte anos e você logo será esse grande homem que Deus te fez. Para mim você sempre será o meu pequeno grande homem, seu destino eu sei está entre as estrelas e para chegar a elas é preciso o tempo passar.

    Feliz aniversário meu filho, hoje é o seu dia, mas saiba que todos os dias são seus, porque te eu te amo e sempre, sempre estarei com você, passo a passo!

Aniversário de dez anos do Augusto 18/10/2021