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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

ReZa LenDa

 

Naquele tempo a energia elétrica era coisa rara mesmo nas casas da vila, modo como era chamada a nossa cidade de Fartura. Era apenas um vilarejo já que a maioria das pessoas ainda morava na zona rural. É importante reconhecer o fato que no passado as distâncias pareciam maiores muito pela a precariedade das estradas, muito pelos meios de transportes disponíveis. O mais comum era o cavalo! Carros? Isso era uma raridade! Mesmo as charretes com pneus como as que temos hoje ainda pouco existiam, elas possuíam grandes rodas de madeira e eram chamadas de aranhas. No mais eram carroças e os carros de boi.

Era uma época diferente, onde a escuridão da noite era rompida apenas por vagos lampiões e parcas lamparinas que mal iluminavam as salas de chão batido das casas, deixando a noite lá fora sob o domínio do imaginário. Era nessa hora que criaturas incríveis circulavam pelos pastos, caminhos e arredores dos sítios causando medo e criando misteriosos acontecimentos que nunca foram explicados.

O que vou contar agora aconteceu nessa época e fala de um casal que discutia certo dia, um final de semana talvez, muito provavelmente na época da quaresma. A esposa tentava convencer o marido a irem juntos a casa de sua mãe, ela insistia, pois estava com uma criança de colo e claro que a viagem tinha que ser a cavalo. Depois de muita conversa ela desistiu frente as alegações dele de que estava muito ocupado, e que não era momento para se fazerem visitas.

Não dando ouvidos ela arrumou sua bagagem pegou a criança e partiu sozinha. Não sabemos se ela permaneceu lá por mais de um dia ou não, o que era costume de se fazer pela dificuldade dos caminhos que não passavam de trilhas de carroça. O que temos certeza é que quando ela voltou o sol já havia se posto. Vendo a necessidade de chegar logo em casa a mulher tocava o cavalo para que andasse ligeiro, mesmo com a criança no colo ela insistia. Talvez seu instinto lhe avisasse de algo ruim estava para acontecer.

Neste mesmo caminho havia um ponto que nomeava a trilha como caminho da paineira. Era uma árvore já neste tempo muito alta que se destacava na paisagem margeando a trilha. Logo quando se aproximavam deste ponto o cavalo começou a ficar inquieto, começou a “negar” o caminho, andando e parando querendo escolher um lado da estrada. A mulher batia os calcanhares, mas estava sem esporas, o picuá de roupas pendia na anca do animal e a criança no colo começou a chorar. Estava envolta em panos e por cima de tudo uma manta tecida com linhas amarelas.

Bate! Toca! Maldiz a hora e amaldiçoa o animal! Aos poucos vão chegando sob a paineira. Nunca saberemos a hora exata, se passava ou não da meia noite, o que temos certeza e que foi neste momento que a besta atacou!

Surgindo das sombras a criatura saltou direto na criança recém nascida buscando arrancá-la do colo da mãe. A mulher mal teve tempo de recuar puxando-a para si e quase perdendo o equilíbrio. O cavalo agitado girava meio que saltando e tentando acertar um coice na fera que atacava. A mulher assustada segurava-se para não cair, prendendo o pequenino ao peito evitando as garras que na escuridão riscavam o arreio e a bocarra escancarada que tentava mordê-lo de qualquer jeito.

Por vezes a besta fera mordeu aquela manta na tentativa de arrancar a criança da mãe! O cavalo coiceava desesperado e acertou a criatura que uivou de dor e caiu na escuridão do lugar. A mulher em prantos segurava-se como podia equilibrando-se no arreio enquanto o cavalo disparava pelo caminho só parando ao chegar no terreiro da casa.

Correndo ela tentou entrar, porém a porta estava fechada por dentro. Chamou o nome do marido, mas ele não respondeu, dormia como uma pedra, era o que dizia. O cavalo resfolegava cansado e agitado, assustada ela deu a volta, a porta da cozinha mesmo fechada podia ser aberta ao se enfiar o dedo por um pequeno furo ao lado da tramela.

Ela ouviu o cavalo relinchar do outro lado e correr. Estava em pânico e mal encontrava o furo ao passar a mão pela parede, as lágrimas embaçavam a vista. Com pressa enfiou o dedo e alcançou a tramela, empurrou a porta no momento em que teve a impressão de que algo virava no canto da casa.

Trancou a porta, deixou a criança chorando e arrastou um pilão muito pesado para impedir que a mesma se abrisse. Olhou ao redor e certificou de que as janelas estavam fechadas, agarrou a criança e correu para o quarto, fechou a porta e buscou a cama. Estava vazia. Acendeu uma lamparina que estava no criado, onde também havia um terço e uma medalha de Nossa Senhora.

Onde estaria o marido? Ela lembrou-se da espingarda que ficava dependurada ali atrás da porta e levantou a lamparina, mas só viu o vazio. Estava sozinha com o filho. Começou a rezar o terço e pensou ouvir algo rondando a casa. Ao mesmo tempo a noite lá fora parecia silenciosa demais, sem pios de corujas, nem mesmo grilos ou sapos. Foi rezando mistério após mistério que o cantar do galo a fez saltar na cama. Já estava amanhecendo e ela nem percebera, aos poucos pelas frestas do telhado alguns raios de luz começavam a brotar. Os animais anunciavam o raiar do dia, uma vaca que mugia a espera de ser ordenhada e as galinhas que já iam pelo terreiro.

O filho dormia e assim ela o deixou na cama para procurar o marido. O que seria feito dele? Seus pensamentos iam do terror da noite ao temor pelo homem. Olhou para a cozinha e viu que o pilão ainda estava lá. Na sala abriu uma pequena fresta pela porta e deixou o sol entrar. Com isso teve coragem de sair e olhar para fora. Viu o cavalo pastando perto da cerca ainda com os arreios e os cachorros da casa estavam deitados perto da porteira.

Logo ali sob as árvores a rede balançava! Viu as botas do marido e a espingarda caída ao lado. Acostumado as caçadas e a dormir no relento o ar noturno não o incomodava. Pé ante pé ela foi chegando até ouvir o ronco tão conhecido e ter certeza de que era realmente ele. Sentiu um forte alívio, e já ia saindo quando notou algo. O homem dormia pesado, inerte dentro da rede com um dos braços pendendo para fora, roncava com boca aberta. Dentro dela entre os dentes já manchados pelo fumo pendia presa uma linha amarela.

Ouço essa história desde a infância, e os mais velhos reconheciam até mesmo os personagens, dando-lhes nomes e rostos, mas tudo ficou no passado restando apenas a lenda e a paineira. Sim ela existe, e eu mesmo passei diversas vezes neste mesmo caminho, mas nunca, nunca depois da meia noite.

 

Fartura, 20 de abril,

José Alexandre

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

PASSO A PASSO

    Eu as vezes paro para pensar o que você, meu pequeno grande homem, será quando crescer? Eu que já te vi de jogador de futebol e de escritor, de engenheiro até astronauta e de programador a youtuber. Tantos caminhos, tantas escolhas, mas a certeza de que irá vencer.

    Eu as vezes paro querendo saber o que posso fazer por você, para que seus sonhos um dia se sejam reais? Sonhos de criança que embalam seu coração e embaçam os nossos olhos com suas alegrias.

    Eu as vezes paro e fico te olhando, sorriso largo e fácil que cativa, sincero sempre. Puro. A alegria no olhar, nos gestos e no jeito de ser. De aprender se divertindo e se divertir aprendendo.

    As vezes eu paro só para agradecer essa felicidade meu filho! É difícil fugir do clichê "parece que foi ontem" que você chegou para me fazer mais que homem, PAI! E eu que pensava que tinha tanto a te ensinar e hoje aprendo todo dia com você.

    As vezes eu paro e vejo como o tempo não para, e que dez anos já se passaram! E o meu pequeno grande homem está cada vez menos pequeno e cada vez mais homem. Muito mais que físico, crescendo por dentro, de coração generoso e alma iluminada!

    As vezes eu paro e me pergunto porque a vida me fez parar? Mas mesmo assim eu não desisto e sigo ao teu lado do meu jeito, porque se os passos me faltam não falta amor e a vontade de te fazer trilhar os teus no caminho certo.

    As vezes, só as vezes eu queria que a vida não passasse tão depressa! Dez, vinte anos e você logo será esse grande homem que Deus te fez. Para mim você sempre será o meu pequeno grande homem, seu destino eu sei está entre as estrelas e para chegar a elas é preciso o tempo passar.

    Feliz aniversário meu filho, hoje é o seu dia, mas saiba que todos os dias são seus, porque te eu te amo e sempre, sempre estarei com você, passo a passo!

Aniversário de dez anos do Augusto 18/10/2021

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Microconto 1

João _Será o último salto dele sem desconfiar de nada!
José _Será o último salto dele agora que descobri tudo!

Desafio Literário 9/7/2020

Coração partido

O motor guinchou três vezes seguidas mas não pegou. Ela jogou a chave por cima dele quase acertando a amiga que saía do carro.
_Não adianta, esqueça. Disse a amiga devolvendo a chave de boca para ela.
_Não dá, Turnupseed vai testá-lo amanhã na 41!
_Estou falando do Dean! Você sempre soube que ele não prestava, agora você tem a prova. Não é um homem de família! - Depois dando uma tragada longa - Nunca será!
Ela arrancou com força a chave da mão da amiga e começou a mexer nos carburadores do Tudor, precisava se concentrar em algo e além Turnupseed pagava bem pelos seus arranjos.
Queria arrancar Dean de dentro dela como arrancava aqueles carburadores do Ford!

Desafio Carreira Literária - 09/07/2020

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Realidade induzida


Há falta de combustível?
Talvez fosse bom mesmo se o combustível acabasse!
Seríamos levados a caminhar pelas calçadas.
Novamente. Erectus!?
E dessa forma fadados a encontrar as pessoas!
Nossos vizinhos de casa, de quarteirão, de bairro.
Parentes, amigos conhecidos todos tiveram o mesmo destino:
À distância.
Pessoas que pensávamos já haverem se mudado.
De cidade, de estado, de país e até dessa vida!
Aquele costume que nossos pais tinham de sair de casa.
‘Bater um papo’.
Que tal algo mais antigo ainda? Fazer uma visita!
Correríamos o risco de começar a ter atos arcaicos!
Cumprimentar uns aos outros! Bom dia! Boa tarde e boa noite.
Desculpe!
Levantando os olhos do celular, depois do esbarrão veríamos as pessoas.
Pais, mães, filhos, família moradores do mesmo lar, mas de mundos diferentes.
De telas individuais!
Passagens que nos levam cada vez mais longe. Mas longe de que? De quem?
O que buscamos lá, que não temos aqui?
No princípio era a TV...
Os PCs passaram tão rápido que hoje até nos esquecemos...
De que mesmo?
Nossos celulares nos DÃO tudo que imaginamos precisar.
E nos tomam o que realmente importa.
Não nos faltam combustíveis para viver assim, adulterados, travestidos.
Fazemos de nossas vidas uma novela.
Sem roteiro, sem limites, vivendo a verdade de outros.
Realidade induzida!
Vendo sem realmente ‘ver’, ouvindo uma cacofonia de palavras mudas.
Vivendo! Vivendo?
Se a ficção me assustava com pessoas que depois de morrer, viviam.
E congeladas se comunicavam por telefone.
A realidade se tornou muito mais cruel!
Pessoas congeladas, vivas talvez, em fotos, fatos e fake news!
Em status!
Que mundo é esse que passamos a nos comunicar por ‘mãozinhas’?
E não somos capazes de estender a nossa?
Nos tornamos ‘memes’. Da nossa própria criação.

J. Alexandre
30/05/2018

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Novelo branco pintado de rubro

Oh, gato manhoso!
Corre corre sem sossego.
Bate de cá, no seu leve enlevo.
Brinca sem medo, belo e garboso!

Oh, novelo de linha!
Bate e rebate no canto da sala.
Vai, volta, leva sua presa sem fala.
Ninguém viu, onde foi, destino não tinha!

Oh, gato manhoso!
Correu com pressa logo atrás.
Pega que pega o brinquedo, voraz.
Escorrega de novo, do gato zeloso!

Oh, novelo e agora!
Parece que foge onde vai.
Rola na porta na escada ele cai.
O gato e ele a sós lá agora!

Oh, gato manhoso!
Quase que pega o brinquedo ligeiro.
Rola e pula vai levando o matreiro.
A presa alegre de um jeito gostoso!

Oh, novelo que nada!
Consegue levar o gato sozinho.
O bichano indefeso te pertence todinho.
Gira o novelo sobre a calçada!

Oh, gato manhoso!
Que com a pata no ar.
Com unhas e dentes não pode agarrar.
O bichano se vai no ato doloso!

Oh, novelo branco ou vermelho!
Agora se pinta, de tinta de vida.
Disforme e inerte, sem alma contida.
Sem fé o novelo se desfez do fedelho!

Oh, manhoso que tanto correu!
A roda que gira, com a vida, seguiu.
Oh, novelo branco e vermelho, assistiu.
O gato manhoso que agora...!

Canção à um vencedor

Um dia você sonhou realizar/ a esperança de menino/ cantar e com fé no coração/
estendeu sua mão para Nossa Senhora sentiu sua emoção...
Te iluminou, te abençoou e te fez vencer/ abriu seu caminho não ficou sozinho/ em nenhum amanhecer...
Venceu meu irmão. Com Deus no coração!
Valeu meu irmão. Você é um campeão!
Vai meu irmão cantar sua esperança/ na sua canção onde brilhar sua voz/ vai brilhar seu coração/ vai meu irmão, vai ser vencedor
a distância não separa só aumenta nosso amor/ Vai meu irmão, com Deus e Nossa Senhora/ Ser feliz por todos nós/ chegou sua hora.
Venceu meu irmão. Com Deus no coração!
Valeu meu irmão. Você é um campeão!
Um dia você sonhou/ esperança de menino/ hoje brilha no olhar
Humildade, fé e talento/ Nossa Senhora fez teu momento
Venceu meu irmão. Com Deus no coração!
Valeu meu irmão. Você é um campeão!

O porquê o poeta não veio

A vida lá fora existe!
Por que o poeta não veio?
A vida lá fora consiste!
No porquê o poeta não veio.
A vida lá fora persiste!
Porque o poeta não veio!
A vida lá fora está triste.
O poeta, não veio por quê?

Não veio porque morreu:
De frio lá na estação!
Na queda do lotação!
Por um carro na contramão!
Sem culpa ou sem perdão!

A vida, lá fora agora lamenta!
Por que o poeta não veio?
A vida, lá fora fomenta!
O porquê, o poeta não veio.
A vida, lá fora aumenta!
Porque o poeta não veio.
A vida, lá fora arrebenta!
E o poeta, não veio por quê?

Não veio porque morreu:
Em troca de um tênis ou chocolate!
Do que nenhuma vacina combate!
No pó do valor de quilate!
Implorando, por favor não me mate!

A vida lá fora, padece...
O porquê o poeta não veio.
A vida lá fora, acontece...
Por que o poeta não veio?
A vida lá fora, enriquece...
Porque o poeta não veio!
A vida lá fora, esquece...
Que poeta? Não veio por quê?

Não veio porque morreu:
De onde veio o tiro perdido?
Na rua, desemprego, esquecido?
De fome, eleição, que partido?
Sem fé, de pé, de orgulho ferido?

A vida, lá fora respira!
Ainda o porque o poeta não veio.
A vida, lá fora conspira!
O porquê esse poeta não veio.
A vida, lá fora inspira!
Por quê o poeta não veio?
A vida, lá fora é mentira!
Poeta, não veio mesmo por quê?

Não veio porque morreu:
Antes mesmo de viver, o ser, que a mãe abortou.
Pela mão tão inocente, que a lei não condenou.
Na inocência, que o pai por dinheiro ignorou.
Na criança, no adolescente ou no jovem que a família abandonou.

A vida lá fora continua....
Porque o poeta já veio, e se foi sem porquês.

sábado, 1 de outubro de 2011

O gato preto

    Epa! Um gato preto! Também o que eu podia esperar de um dia como o de hoje? Tinha um ótimo emprego, não, era sócio de um excelente negócio, por minha causa já estava quase dono da cidade. Aí meu sócio me derrubou, passou pra trás! Acabei por perder tudo! Por isso estou saindo daquele lugar, por isso não, tem a Amélia. Ah! Amélia como era bonita, e me dava tanta bola, bola não, nos encontrávamos escondido pra ninguém saber. Ela me adorava, fazia tudo que eu pedia, mas eu quis contar pros outros, foi isso, aí ela resolveu se casar com outro. O dono do mercado, não ele não, seu filho, que veio de fora todo cheio de pompa, fizeram festa pra receber o danado. Esse gato preto bem agora que meu pneu furou, não, o carro quebrou, e com essa chuva não dá pra fazer muita coisa. Bem ali fica a casa do falecido "Miguelzinho", coitado morreu de tanto beber. O gato correu pra lá. Fugiu da chuva. Não deve ser má ideia, melhor que ficar aqui fora. Dizem que ficou assombrada, mas eu não acredito nisso, sou corajoso, o mais corajoso da turma, não, dessa redondeza. Nossa parece que ninguém vem aqui faz tempo. Cadê o gato, entrou, mas por onde? Ah, a porta está aberta.Eu devia ter ficado no sítio, era melhor lá, produzia muito, não, produzia mais que todo mundo, era sempre safra recorde todo ano. E o meu gado então, na exposição da cidade era sempre campeão, não, ganhava todos os prêmios isso sim. Mas resolvi vender tudo e fiz um bom negócio, não, ótimo. Que lugar estranho, não tem luz, capaz de desabar. Droga de gato, não gosto de gatos, nunca gostei. O que está me olhando aí de cima, vai ver só se eu te pegar. Quem é que tá aí em cima com você? Se tudo tivesse dado certo desde criança, ora. Eu era o melhor aluno, sempre fui, mas a professora não me dava as notas certas. Eu era o melhor no futebol e ninguém me chamava pra jogar por só causa disso. Essa escada está podre, mas o gato está lá em cima, preciso alcançá-lo. Devia ter trazido uma arma, meu pai tinha uma arma, eu me lembro dela, ele vivia limpando. Ele adorava caçar. Eu me lembro dele dizer que com ela era capaz de caçar o diabo. Estou quase chegando no alto, esse gato vai ver só. Meu pai me pôs pra fora e disse pra eu ir brincar: " O papai vai caçar o diabo hoje". Corri atrás do gato, era preto igual esse aí, mas o danado deu a volta na casa e entrou pela janela, eu subi. Tem alguém no alto da escada. Papai! Porque esta apontando essa arma pra mim? Não eu não fiz nada! A mamãe caída!  Não queria ver, eu juro! Papai nãooooo.....! O mundo gira, o gato sempre ele. A arma dispara, o mundo gira, duas armas disparam, dois gatos pulam. Uma vida vivida sem vida, revivida a todo momento a partir de um instante. Como um salto, como o pulo do gato! Só a escuridão! Como um gato preto!

domingo, 17 de julho de 2011

A estátua

   "O fato que inspirou esse conto foi verídico, apesar de não ter sido uma estátua, mas o engodo  e os problemas foram bem parecidos"
    
    E na Fartura das telenovelas...
    ...o prefeitável Odorico Paraguassu realiza seu belíssimo discurso:
    _Carissíssimos Farturopolissenses é com imenso gozo dos meus sentimentos e sastifação que venho eu lhes presentear com esta singela homenagem tão honrorífica à esta pessoa que tanto fez e tanto o fazerá por esta cidade. Claro que me refiro a minha própria pessoa que tanto mereço...
    _O quee? O sinhor? - disse sinhozinho Malta ali na frente da tribuna - o sinhor coisíssima nenhuma, eu paguei então sou eu que tô aí ó! - apontando para a estátua ainda coberta com um pano vermelho.
    _O sinhozinho Malta com todo o respeito mas o senhor esta redondasticamente enganado com certeza. Sendo eu o honorífico e excelentíssimo prefeito e sendo que a prefeitura foi a benfeitora desta homenagem. Inclusive com um gasto, diga-se de passagem quase astronomico digna de uma estáutua de minha pessoa, com certeza.
    _Nããão sinhor! Esse aí sou eu!! Oh, eu paguei - estralando os dedos - e paguei bem caro! Tô certo? Ou tô errado? - balançando a munheca feito um guisado de cascavel. O povo concordou.
    Odorico Paraguassu vendo o perigo chamou seu mais importante cabo-eleitoral.
    _Seu Zeca Diabo! Diga ao povo de quem é essa estauta!!
    _Bem, sim... não, sim, sim se do sinhô prefeito aqui tá falando então é por que é! - e povo dessa vez concordou com o matador.
   Mas aí a coisa piorou quando o tal Rei do Gado, Bruno Mesenga, apareceu com aquela voizinha pastosa de lingua mole.
    _Mas que hitória é essa aqui por causa da minha estátua?
    _Sua?! - foi a resposta
    _É, tão surdo agora. Paguei uns boizinho bem gordo por ela, ora se eu sou o Rei do Gado eu mereço!
    Aí a discussão foi geral, cada qual tinha seus motivos e desmotivos para cada um ser e o outro não.
    _Cheeeeegaaaaaa!!! - e só mesmo a viuva Porcina para poder calar todo aquele bando de homem até babando de tanto falar. - O que é isso agora?
   _Não me queira vir a senhora me dizendo que também fez a encomenda da estáuta? - conseguiu dizer o prefeitável.
   _Eu não encomendei nada que não sou mulher dessas coisas, não me dou ao prazer por aí de ficar me exibindo. Não vê o senhor que sou uma mulher bem discreta até. So que tá me dando nos nervos de ver os três aí discutido que nem trouxa!
   _O Porcina! Trouxa não!
   _A senhora respeite a minha autoridade!
   _Trouxa aqui só se for o seu marido!
   _ Se não são trouxa porque não descobrem essa porcaria aí e olham de quem é a estauta! Aqui, deixa que eu mesmo faço! - e tomou a corda da mão de seu Dirceu Borboleta que saiu borboletiando e descobriu o embróglio.
   Todo mundo ficou pasmado, inclusive os quatro. Não é que debaixo do pano tava o tal do Galiano, bebinho da silva dormindo babando e enroscado no pedestal vazio. Os "gente boa" venderam a estátua para o prefeito, para o Sinhozinho Malta e de lambuja para o tal Bruno Mezenga. Cobraram uma nota preta de cada um e para não dar briga puseram o Galiano lá e picaram a mula.
    Ah! Não é brinquedo não! Ainda chegou a dona Jurema do Bar da Jura cobrando a pingaiada que o pau d'agua consumiu. Nem com isso eles gastaram!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Homem-morcego-Batmam

   Mais cedo...
 _Boa noite! - Willian Galã Bonner no Jornal NadaNacional - Hoje mais um flagrante da ação malograda do super herói importado pelo governo paulista para combater o crime em São Paulo. Novamente o problema parece ter sido o combustível, como aconteceu com o mini-batjato, o motor da batmoto apresentou problemas e parou de funcionar.
     _De acordo com o secretário para assuntos de suprimento para heróis, o combustível é fornecido por uma distribuidora idônea, a Combustível Com. Solventes e Cia, que venceu a licitação. O  fato dessa licitação estar sendo investigada por fraude não prejudica a qualidade do combustível fornecido, garante ele. - completa Fátima Meuscabelos Bernardes.
     _ Mesmo com o subsídio que o grupo Waine vem dando, esse tipo de problema se tornou comum. Claro que o fato da batlancha ter ficado encalhada no leito do Tiete não entra nessa conta. Mas, depois da impossibilidade do uso do batmovel devido ao trânsito, quase todas as tentativas do Homem-morcego-Batmam acabaram por falhar, de uma forma ou de outra.
    _O super herói já tentou usar o batjetski, mas ele foi danificado pelo lixo jogado no rio, depois disso a batasa delta ficou presa nos fios e causou um apagão em parte da zona leste. O batcóptero foi danificado por disparos ao sobrevoar as favelas e foi para uma oficina especializada, a Depena Com. T.D. também vencedora da licitação, e não voou mais. Os batpatins, batskates e mesmo a batbike foram roubados uma dezena de vezes, e depois que um lote todo que estava no porto desapareceu misteriosamente esses itens não foram mais repostos.
     _Como acontece sempre o Homem-morcego-Batman desapareceu e não se prestou a dar esclarecimentos. A Batmoto foi recolhida em um pátio particular, o NuncaMais C.V. que também ganhou uma licitação para receber os veículos do super herói importado.
     _O governo paulista informou que o grupo Waine é o único responsável pelo dinheiro gasto e que os recursos públicos estão sendo poupados e investidos em mais segurança e saúde. 
    _Ainda sobre o grupo Waine o Banco Central descobriu uma série de irregularidades nas transações feitas nos últimos três meses e suspeita de golpe contra o sistema financeiro brasileiro e envio ilegal de dólares, além de outros problemas que segundo o interventor já nomeado parece comprometer toda a estrutura do grupo. A polícia Federal já tem um mandado de busca para o empresário.
     Longe dali...
   Um antigo barracão supostamente alugado pela fundação Waine para receber o lixo produzido por suas empresas, na verdade esconde o BatMoco, a versão nacional da Batcaverna. Neste instante nosso super herói importado acaba de entrar. Depois de abandonar seu batveículo teve que trocar de roupa num beco para não ser reconhecido. No metrô, a sacola com seus pertences foi levada por uma dúzia de moleques, uma senhora chamou a polícia quando o viu correndo atrás dos meliantes e ele foi levado ao posto policial por estar sem documentos, por sorte encontraram algum dinheiro em seu bolso e o mandaram embora. Agora estava exausto, humilhado e sujo, e teve que pular uma janela no fundo por que Alfred não estava ali para abrir a porta.
     Abriu a Batgeladeira com fome e encontrou apenas uma caixinha de leite NãodaVaca desnatado, parte da cesta básica fornecida pela empresa CestaSem N.D., que ganhou concorrência para fornecer para o grupo Waine. Não encontrou a BatTV, mas o batcontrole estava onde deveria estar o Batsofá. De repente se deu conta! Haviam sido roubados! Precisava ligar para a polícia, mas também não encontrou o Batcelular!
     Neste instante a porta lateral se abre e Alfred entra, todo despenteado, vestido com um antigo smoking de seu patrão DeBruce em péssimo estado. Ele e o smoking.
    _Oh, Alfred o que fizeram com você - perguntou DeBruce tentando ampará-lo- Quem fez isso? Nossas coisa, fomos roubados, Alfred você viu quem foi?
    _Sou fod@, na cama te esculacho... 
    _Alfred, que cheiro é esse?
    _Você, você,você... quer!? Vamos patrão! Iup!
    Encostou o velho mordomo em uma Batespreguiçadeira.
    _O que fizeram com você? Quem roubou nossas coisas?
    _Ninguém roubou nada... foi só... você, você, você... ahn empréstimo! Só isso, eu emprestei para uns "manos" aí do beco, e eles me ha ha.... me emprestaram essa ervinha.... dá uma tragada o Patrão...
    _Por Ghotan! Alfred você está se drogando!?
    _Nã nã, o patrão DeBruce não viu o comercial na TV? Essa ervinha aqui não é droga...
    _Você já está viciado... você usou nosso dinheiro do batcofre para isso!!??
    _Ahn! Ahn... não não... eu... eu usei pra pra fazer uns investimentos!
    _Alfred, investimentos?!!!! o que fez??
    _Eu comprei umas terrinhas... comprei uma plantação de abacate, sabe abacate... verde como o charada... lembra do charada... então eu comprei, fica lá na Amazônia... paguei a vista por que tinha desconto!!
    Debruce foi até a parede e abriu um armário.
    _Alfred você acabou com todo o dinheiro do batcofre! Esse lugar é muito pior do que eu pensava, ainda bem que deixei o Menino-prodígio-Robin em Ghotan.
    _O! Patrão DeBruce, por falar no Guri-prodígio, ele ligou! O colégio dele tá atrasado e vão mandar o moleque embora...
    _Como? Nossas empresas são responsáveis pelo pagamento! Alfred, você era responsável  por isso!
   _Huuuugoooooooo!!!!!!!!!
   _Alfred!!!!!!!
   _Foi mal patrão DeBruce, acho que não devia ter misturado meu cigarim com aquelas   bebidas!! - limpando se com a manga rota do smoking continua- Mas sobre as empresas, ahn...eu terceirizei tudo, sabe aqueles políticos amigos do patrão, lá de Brasília, eles me aconselharam a deixar que eles administrassem os negócios... a ó, só um minuto!
   Enquanto Alfred corria para o banheiro nosso super herói tentava assistir o noticiário na mini-batTV. O repórter falava da provável falência do Grupo Waine e do desvio de verbas de uma centena de instituições. Por um segundo o Homem-morcego-Batmam se viu com a cabeça girando, então o barulho da descarga o fez entender tudo. Precisava ir embora desse lugar, voltar para Ghotan onde poderia retomar sua vida, ser herói novamente!
   Não havia tempo para fazer as Batmalas, muito menos para recuperá-las, já que também não estavam ali. Mandaria Alfred direto para uma clinica. Trocou sua roupa pelo único terno do mordomo, pegou seu ultimo uniforme de Homem-morcego-Batmam e colocou em uma mochila junto com algum batdinheiro que escondia em seu batcofrinho. Alfred disse que havia trocado o jaguar por uma BMV (brasília muito velha), iria usá-la pra tentar chegar ao aeroporto.
   O rádio no caminho só falava como as empresas Waine estavam abrindo falência, causando prejuízo e deixando investidores e o mercado em pânico. Ainda não fazia seis meses que estava no Brasil. Como perdera o controle??! Agora escutava que o estavam acusando até de corrupção, compra de vantagens politicas....
    Duas horas de pois e apenas 5 km....
   Decidiu que  usaria seu Batjato que estava disfarçado como o avião de DeBruce Waine. Estava ciente de que precisava ser discreto. Ao chegar ao aeroporto reconheceu vários agentes da policia federal! Saindo pela direita rumou para uma parte destinada aos funcionários e entrou pelo corredor até um pequeno vestiário. Precisava chegar ao seu avião e levantar voo. Quando um jovem abriu a porta sua chance surgiu! Agarrou-o e o imobilizou. Arrancou lhe as roupas e as vestiu!
   Deixando o jovem trancado  se desfez das roupas de Alfred e com pesar de seu próprio uniforme em uma lixeira! A policia estava por todo o aeroporto e ele teve que desviar seu caminho várias vezes, parando, fingindo trabalhar. Levou algum tempo para encontrar uma saída e já se dirigia a ela quando alguma coisa pulou sobre ele.
   _Cabra da peste, safado sem vergonha!!! Tu tá pensando que me faz de  trouxa!!! Toma aqui o seu - e um soco acertou o queixo DeBruce Waine. Uma figura horrível vestida de preto tentava sufocá-lo, DeBruce não consegui reagir, era um pesadelo! Seu inconsciente lhe pregava uma peça, a máscara, não podia ser, o Homem-morcego-Batmam era ele!! Alguém conseguiu conter o herói agressor e outros agentes o levantaram e carregaram DeBruce também.
   Mais tarde...
   _O empresário DeBruce Waine foi preso essa noite quando tentava fugir do país - explica William Quaack no jornal da Golobo.
   _O empresário teve sua fuga malfadada impedida pelo herói internacional o Homem-morcego-Batmam - completou Christiane Pedágio - Em sua única ação bem sucedida ele capturou o fugitivo e depois para surpresa de todos revelou sua identidade secreta!
   _Descobriu-se que o super herói Homem-morcego-Batmam era na verdade Silvemário Raimundo Silva, faxineiro do aeroporto. Silvemário tentou negar tudo dizendo que havia pego a roupa no lixo, após ser agredido pelas costas.   
    

sábado, 26 de março de 2011

O relógio II

"O que você faria se pudesse voltar no tempo? Um tempo diferente do seu, uma vida diferente da sua? Onde não conhecesse nada nem nada te pertencesse...?"

_ Acorda rapaz!! O que tá pensando da vida?! Eu vou te curar dessa moleza!! Olha o relógio batendo onze horas!! Cê acha que tá aonde? Na côrte de Luiz XVI?!
"Ah! que coisa, esse maldito relógio. Olha o relógio! Todo dia a mesma coisa. Megera que não me dá sossego, com essa matraca que fica repetindo: onze horas! Levanta!. Maldição de relógio, vem cá! Onze horas e se fosse dez, nove... ontem e se fosse no tempo desse tal de Luiz não sei que... engraçado, os ponteiros estão voltando sozinhos! Nossa, que sono, se eu deitar só... um pouquinho... se fosse um nobre... ou... rei"
_ Ahn! Que foi?!
_ Oh! Perdoa-me alteza! Não queria eu interromper o seu sono... Sua alteza está bem?
_ Ahn! Quem eu? Não... onde estou?!
_ Em seus atuais aposentos! Mas eu sugiro que vossa alteza se apresse...
_ Ah! Meu Deus... ele me trouxe... de verdade! Veja!
_ Por favor senhor escute...
_ Veja! Ele me trouxe...
_ Sim, majestade, estou vendo... uma obra de arte moderna com certeza, não sei como conseguiu, mas escute...
_ Escute você! Aliás quem é você mesmo? O que faz aqui tão cedo? Que horas são? Que roupa ridícula!
_ O senhor deve estar com febre, não deveria rir assim num momento como esse...
_ Isso é uma peruca?
_ Alteza, não puxe... me devolva por favor! E pare de RIR!!... Perdoe-me! Mas vossa Majestade anda muito estranho... e são onze horas.
"Majestade?! Ele me chama de majestade, não acredito, sou um nobre com certeza, serei o rei também? Não, não posso perguntar ele já está desconfiado, mas sou importante!"
_ Ei, onde... "cadê a pia?"_Onde escovo meus dentes? "ele não está entendendo" _Meu rosto, onde eu posso lavar?
"Que legal, ele bateu palmas e o outro criado está trazendo um jarro com água. Certo agora o que eu devo fazer?"
_ Como eu ia dizendo, vossa majestade deveria apressar-se em se vestir. O povo está reunido lá fora.
" O povo! Ele disse onze, que maldição, nem aqui eu tenho sossego, o que ele está falando, não entendo nada, que fome!"
_ Quero meu café!
_ ...ahn? Como? Vossa Majestade não parece estar a ouvir.
_ Café da manhã, é como se fala mesmo, des.. desejum, dejezum... Ouvindo o que? Estou ouvindo meu estômago! Anda apressa isso!
"Palmas de novo! Ele está cochichando... ei quem cochicha o rabo espicha seu peruqueiro. Vai, vai isso vai com ele e me deixe suss! Que lugar fedido, agora to reparando, ele nem abriu as cortinas, deixa ver o que tem lá fora...ai meu Deus!! Que roupa é essa? Caraca que ridículo, cadê minha cueca?!"
_ Ei!!
_ Perdoa-me alteza! Suas roupas, estão prontas, eu sugiro que o senhor não ostente sua grandeza neste momento.
"Ele quer que eu vista isso? Nem morto! Não vou ficar parecendo uma flor! Ele vai ficar esperando, como se veste isso? Pra que tanta coisa?"
_ Sua majestade quer que eu o ajude?
"Demorou em! Nossa que calor! Isso não vai dar certo... ai que vergonha, como essa gente podia se vestir... eita futum! Cara você não toma banho a quanto tempo?! E essa roupa, o que fizeram com ela, lavaram com colônia de camelô"
_ Ulálá! "Que beleza! Se a garçonete é essa beleza imagine só o prato principal"
_ Como disse?
_ Nada, como estou?!
_Uma beleza! "Sei, tô suando q'nem porco! Nossa essa roupa tá dando coceira.Ei pensei que iam me servir um banquete, só isso?"
_ Só isso?
_ Na sua atual condição vossa majestade devia se dar por contente! "Minha condição? Eu sou o rei o dá peruca, não peço, mando!"
_ Por agora deve bastar, mas vê se capricha no almoço!
_ Como disse?!
_ Ah, nada."Tenho que tomar cuidado com o que eu falo. Ei! Onde você tá indo, que cara estranho. Esse pão tá horrível, nossa que queijo fedido. Será que eles comem isso por aqui. Que barulheira lá fora, cadê aquela garçonete? Nossa será que tenho esposa? Amante? Esses caras sempre tiveram, deve ser mais de uma...combuina, concuina?!"
_ Ei! Não terminei ainda!! Que foi? Quem são esses caras? Me larguem!!!
_ Majestade! O povo o aguarda!
_ Não quero ir? "Esse cara tá rindo de mim?"
_ O senhor não tem escolha, perdeu sua chance, é hora de se redimir perante os seus súditos.
_ E como eu vou fazer isso???
_ Nada! A guilhotina o fará por sua realeza!!
_ Não entendi? Quem é essa guilhotina? O que ela sabe fazer?? "deve ter alguma coisa errada, pra onde estão me levando? o relógio, se eu pudesse pegá-lo...
_ Esperem meu relógio... precis... aí!!!
_ Pra onde vai, sua majestade não precisa de nada... terá toda a eternidade!
........
_Você não levantou ainda!!! Toma!!
_ Ahn! Carrasco! Tenho direito a minha ultima refeição...
_ Carrasco!! Rapaz você vai ver a refeição se não tirar esse traseiro e arrumar o que fazer....

segunda-feira, 21 de março de 2011

O relógio

O relógio postado no alto da estante, soturno, em seu estalar monótono das velhas e gastas engrenagens. Sombrio, ele conta as horas, os minutos, os segundos pacientemente, espreitando-me através do vidro da caixa, talvez até saboreando-se com a minha imagem moribunda neste leito. Não consigo dormir com tranquilidade, me parece que os sons lá de fora não se atrevem a atravessar o velho vitral barroco já desbotado, e me deixam aqui, sozinho, com aquele estalar de engrenagens, ou não. Em meus delírios de noites febris, não são as engrenagens, mas sim de um corcel negro como uma noite sem lua, com cascos de fogo, que queimam o chão por onde passam, um delírio só meu, causado por esse maldito estalar desse relógio, um devaneio que piora com o badalar insóbrio, embebido no meu pavor, que cresce a cada hora, a cada momento e se desfaz com o alvorecer. Mas, assim mesmo, não consigo minha paz, pois durante o dia, vejo-o sempre lá, no alto da estante, como o abutre que espera ansioso a rês moribunda já quase morta. O vislumbre de seus ponteiros, feitos de prata, ofuscam-me a vista, que fraqueja com a idade e os males que a muito me absorvem a vida. Ah, mas se me perguntares: "Porque não mandas tirá-lo então?". Assim respondo-lhe: "Mistério". Só isso, mistério, pois por mais que ele me aterrorize, que me alucine e me cause insônia, trata-se nada mais nada menos, que meu único e leal companheiro, que me acompanha desde que fui aprisionado por este leito, que suga-me a essência de minha alma a cada dia que passa. Só agora percebo o quanto ele me valeu, agora reconheço seu trabalho, sua preocupação por assim dizer, para com minhas noites e dias de agonia. Ele não me assustava, com certeza, somente queria tornar essa miserável vivência mais emocionante, sim pois nunca a senti monótona nesses tantos anos de doença, nunca me senti só. Oh, velho relógio, que doa alto da estante me assiste em meu triste fim, nunca tiveras maledicência alguma para comigo, fora sempre uma amigo preocupado. Pena que chego ao meu fim, e tu mesmo já sabes. Não mais deliro com um corcel correndo sobre fogo, mas sim o que vejo agora é apenas um rocim velho, magro que se arrasta em meio as cinzas de uma vereda, mergulhada em neblina opaca, sem vida. Sim, creio eu, ouvir sua ultima badalada, que agora me parece tão suave e amorosa. Somente nesses instantes percebo o quanto fui ingrato, e como a todos, o final é um momento de arrependimento do mal que se proporciona tanto em vida, e agradecimento dos bens recebidos eu... agradeço... e... me arrependo.... para todo o sempre... amém.